‘Não há perdas para a democracia’

Para o cientista político Ranulfo Paranhos, o processo de impedimento da presidente demonstra amadurecimento democrático do País.

De um lado, o grupo governista e simpatizantes a gritarem que a aceitação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara Federal “é golpe”; do outro, a base de oposição a afirmar que Dilma rasgou a Constituição. E no meio da troca de acusações, o povo. Por que o País chegou a essa situação que resvala numa crise econômica, política e moral na qual o Brasil foi mergulhado? O que deve acontecer a partir de agora com o processo, que se encontra nas mãos do Senado?

A Gazeta foi buscar na ciência política e no Direito as explicações para o cenário que deve se desenhar no campo político e econômico do País, o que levou à chefe da Nação a mergulhar num caminho praticamente sem volta, já que é dado como certo que o Senado também dirá sim ao impedimento.

Professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o cientista político Ranulfo Paranhos é taxativo ao afirmar que há uma previsão constitucional para que o processo acontecesse. “O discurso do governo e dos aliados é que é golpe. Que há comprometimento, enfraquecimento da democracia. Muito pelo contrário. Há uma previsibilidade na Constituição, um rito definido pelo STF [Supremo Tribunal Federal], regras muito claras. Jogo político não passa de regras muito bem estabelecidas. O próprio nome já diz: jogo. Então, se é jogo, eu tenho que ter regras”, afirma.

Na avaliação dele, “não há perdas sobre a qualidade democrática. Muito pelo contrário. Obviamente que a nossa democracia é muito jovem. São menos de 30 anos. Aí você precisa de amadurecimento democrático. Então, nesse ponto, não há o que se reclamar, o que perder. Nós não reduzimos a nossa qualidade em função do impeachment”.

A Gazeta questiona se o povo não sabe escolher seus representantes ou se não há opções no cenário político. Ranulfo Paranhos responde: “Nós temos 33 partidos atuando, 25 com representação na Câmara. Opções tem. Agora que é a opção no cenário político? É o indivíduo que tem proposta, serviço prestado, que aparece, que vai ganhando corpo, força. Dilma não era uma opção. Dilma é um produto. Eu não estou dizendo que os políticos não sejam produto. Eles são produto. Mas dos produtos construídos e inventados, Dilma foi o pior”, ele diz.

E explica: “Produto como tábua de salvação para o PT. Porque, quando o Lula assume, em 2002, ele tinha um forte ministro da sua mais próxima relação, que era o José Dirceu, que seria o homem preparado para 2010, mas José Dirceu assume o ônus do Mensalão e vira o grande culpado. E o PT começa a perder nomes e espaços. O que é que sobra? Sobra alguém que também tem característica burocrática, que é a Dilma, e o Lula constrói ela. Esse nome é construído”, ressalta.

DISCURSO VAZIO

E segue falando sobre o que levou à derrocada de Dilma. “Como é que se faz política?”, questiona Ranulfo. “No meio político, se diz que você tem que saber tomar cafezinho para saber fazer política. A Dilma não toma cafezinho. Se ela não faz isso, ela é uma burocrata. Como burocrata, ela não sabe fazer acordos. O Lula sabe fazer acordos. O PT, não. O PT aprendeu a fazer propaganda, mas não aprendeu a fazer política”.

Ranulfo Paranhos afirma que o PT se manteve no palanque, mesmo enquanto governo. “Graças às propagandas. O PT faz e constrói discursos; convence pelo discurso. Tanto é que hoje qualquer indivíduo mais inclinado ao governo vai acusar de golpe. Por que golpe? O discurso está vazio. Você não tem argumentação política. Quem sabe fazer política nesse País? O PMDB”, diz o cientista político.

Ele historia. “Se você considerar o pós-1988 ou antes, quem é governo desde sempre? É Sarney [José], depois Itamar [Franco] com o PMDB, Fernando Henrique Cardoso, com o PMDB, Lula 1 e 2, com o PMDB, Dilma 1, com o PMDB, Dilma 2 sem o PMDB: vai cair. Se tem alguém que deve uma responsabilidade ao eleitorado brasileiro é o PMDB. Ele nunca lança um candidato à presidência da República. Ele tem não só condições, mas o dever de fazer isso. A racionalidade política do PMDB é a de obter cargos e de estar dentro do poder, mas ele não quer correr o risco. Espera que alguém construa um nome, vai lá, fecha a coalizão e integra o governo”, afirma.

Ele destaca uma estratégia usada por FHC que se assemelha ao que Lula faz e que Dilma não seguiu. “Ele [FHC] tinha uma ideia, chamava todos os líderes, discutia a ideia, e a ideia já ia pronta para aprovação, para ser discutida em plenário. Lula fez algo parecido. Quando Lula sai do cenário, no Dilma 1, a Dilma tem a ideia, junto com Mercadante [Aloisio] e o seu núcleo duro, que está em torno dela, discute a ideia, elabora o projeto e encaminha burocraticamente. Ela não negocia, ela não entra no acordo, não ouve”.

Disponível em: Gazeta de Alagoas

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